O Fórum

UMA LEI PARA TODOS

Desde a metade da década de oitenta, foi anunciada a iminente abertura do mercado de resseguro brasileiro. A quebra desse regime causava preocupações, pois, ao longo de seis décadas, o mercado fora estruturado em torno do ressegurador estatal, o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB).

O IRB não apenas exercia a atividade empresarial do resseguro em monopólio, o que lhe dava enorme poder de compra nos mercados internacionais. Ele também tinha uma função normativa – enquanto a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) cuidava de regulamentar o seguro, o IRB regulamentava o cosseguro, o resseguro e a retrocessão –, uma função educadora, de capacitação de pessoal e divulgação de informações, e uma função de reguladora de sinistros.

Como o IRB era um dos maiores compradores de retrocessões do planeta, pois concentrava a demanda de uma das maiores economias do mundo, havia sido possível obter posições contratuais mais favoráveis para as empresas brasileiras do que aquelas acessíveis aos agentes econômicos de toda a América Latina. Além disso, por seu papel central na estruturação do Sistema Nacional de Seguros Privados (SNSP), o IRB tinha competência para expedir as normas que acabavam por determinar os conteúdos e práticas essenciais dos nossos seguros. O fim do monopólio do resseguro implicaria uma mudança profunda na própria estrutura do SNSP.

Em paralelo, o Projeto de Código Civil contava com substitutivo do capítulo sobre o contrato de seguro insuficiente para proteger os contratantes e beneficiários brasileiros no mercado privado de resseguro que já penetrava na realidade e breve seria legal. A captura do IRB em franco declínio foi profícua de exemplos.

Ao mesmo tempo, uma minuta de resolução do CNSP, ao arrepio da Constituição Federal, veiculava o teor do que sucederia na abertura e, posteriormente, um projeto de lei ordinária cujo conteúdo, enfim, pouco diferia do utilizado para a LC 126/2007 descortinava a precariedade da defesa contratual dos segurados e beneficiários no mercado aberto.

Procurando uma solução para o impasse, em 2000, advogados do mercado segurador e juristas de diferentes especialidades fundaram o Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS), uma associação desvinculada das empresas do setor.

Após muita reflexão, com o auxílio de renomados especialistas estrangeiros, produziu-se o anteprojeto de lei de contrato de seguro que se transformou no PL 3.555/2004 (PLCS), apresentado pelo então deputado federal José Eduardo Martins Cardozo, associado fundador do IBDS.

O texto foi escrito pelos associados Ernesto Tzirulnik e Flávio Queiroz de Bezerra Cavalcanti. O PLCS brasileiro foi um dos pioneiros na onda de produção de leis nacionais na Europa e na América Latina daquela década.

Não se trata de um diploma com minúcias, mas ele procurou estabelecer um regime básico para o funcionamento saudável de todo e qualquer contrato de seguro, distinguindo as tendências internacionais mais avançadas e também as conquistas que o país já havia logrado para suas operações, refletidas nos contratos, na doutrina e na jurisprudência. Uma lei mínima e funcional, para todos.

Inicialmente prestigiado por diversas seguradoras e corretoras de seguro, não tardou o surgimento de oposição pelas entidades que representavam as seguradoras, resseguradoras e corretores de seguro e resseguro, assim como seus advogados. O embate provocou demorada tramitação.

A certa altura o PLCS foi prioridade do Ministério da Justiça, mas contra ele se opunha a Fazenda, que inicialmente o havia prestigiado. Para garantir a continuidade da tramitação, diversas outras iniciativas legislativas, em ambas as casas do Congresso Nacional, foram estimuladas pelo IBDS. Uma série de aperfeiçoamentos sucederam, ao longo dos anos, enquanto uniam-se entidades que representavam a indústria e o comércio, a logística e os consumidores.

Em 2016, lideradas por Marco Antônio Rossi, Luiz Tavares Pereira Filho, Ivan Gontijo e Armando Vergílio dos Santos Júnior, as seguradoras e a federação dos corretores de seguro alinharam-se com o IBDS, possibilitando a aprovação do Projeto de Lei da Câmara 29/2017, destacando-se os esforços dos deputados Rubens Moreira Mendes, Paulo Teixeira, e, finalmente, do último relator Lucas Vergílio.

Durante o governo Bolsonaro, embora contasse com parecer favorável do senador Rodrigo Pacheco, o PLCS não foi reconduzido à pauta. Em 2022, foi desarquivado.

Após nova rodada de ajustes feitos pelo IBDS, representado por Ernesto Tzirulnik, Inaê Siqueira de Oliveira e Luca Giannotti, em conjunto com as seguradoras e os corretores de seguro representados, entre outros, pelos seus respectivos presidentes, Dyogo de Oliveira e Armando Vergílio, graças ao empenho e sob o comando pessoal do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, auxiliado pelo Secretário de Reformas Econômicas, Marcos Barbosa Pinto, e pelo Superintendente de Seguros Privados, Alessandro Octaviani, foi definitivamente aprovada a primeira Lei Especial de Contrato de Seguro brasileira.

Sancionada sem vetos pelo Presidente da República Sr. Luís Inácio Lula da Silva, terá vigência a partir de 11 de dezembro de 2025.

Foram 21 anos de luta sem trégua, período no qual o então projeto de lei foi examinado, debatido e aperfeiçoado com a colaboração de inúmeros juristas e profissionais do mercado, brasileiros e estrangeiros.

Cabe-nos agora produzir doutrina responsável e construtiva, assim como estimular jurisprudência cuidadosa, ambas livres de atecnia e subordinação a interesses econômicos, vícios que o IBDS tanto batalhou para corrigir durante o último quarto de século.

O importante é que a lei e sua futura regulamentação infralegal melhorarão substancialmente as relações contratuais securitárias no país e conduzirão a um mercado maior e melhor protegido.

Lamentamos que os saudosos amigos Flávio Queiroz de Bezerra Cavalcanti, José Sollero Filho, Rubén Saul Stiglitz, Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, Athos Gusmão Carneiro, Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Ovídio Baptista da Silva, Sérgio Sérvulo da Cunha, Vera Helena de Mello Franco, Werter R. Faria, J.J. Calmon de Passos, Donaldo Armelin, Rubens Moreira Mendes, João Calvão da Silva, Hubert Groutel, Arturo Díaz Bravo, Luis de Angulo Rodríguez e Aurelio Donato Candian não tenham podido celebrar este alvissareiro advento.

São Paulo, 27 de março de 2025
Ernesto Tzirulnik
Presidente do IBDS